Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pode orientar juízes e profissionais de saúde sobre os casos de mulheres que buscam atendimento médico em situações de aborto.
Os ministros do STJ anularam uma ação judicial contra uma mulher que procurou atendimento médico após tomar medicamentos abortivos. A paciente foi denunciada pelo médico que realizou o atendimento. O caso aconteceu em 2016, em Conselheiro Lafaiete, na região central de Minas Gerais.
A Defensoria Pública de Minas entrou com o recurso contra a ação por entender que houve quebra de sigilo médico. Segundo a defensora pública responsável pelo caso, Mônia Aparecida de Araújo Paiva, o médico não poderia denunciar a própria paciente e atuar como testemunha no caso.
"A mulher, de fato, ela conseguiu comprar clandestinamente medicamentos abortivos, fez uso do medicamento em casa, ou mal e procurou o serviço de urgência. E o médico atendeu e acionou a polícia. E na verdade, essa conduta viola a ética médica. Na verdade, o médico não pode expor um paciente a procedimento criminal. Ele foi ouvido como testemunha no processo, que também não poderia. Ele deveria se declarar impedido. O STJ acolheu a argumentação de que, de fato, houve violação ao sigilo profissional, que todas as provas do processo seriam nulas e, por isso, o processo deveria terminar".
Para a defensora, a decisão dos ministros ajuda a garantir um direito a saúde para as mulheres, mesmo em casos delicados envolvendo aborto.
"Ela não é necessariamente vinculante, ou seja, outros juízes não são obrigados a segui-la, mas cria um precedente importante pra defesa do direito das mulheres. Porque ela pode ser utilizada como argumento em casos semelhantes. Dependendo do caso, o juiz e o tribunal pode acolher aquela argumentação ali, e processos do mesmo tipo podem ser extintos. É um tema complexo, delicado, mas a discussão é interessante de ser feita justamente pra isso: é o aspecto jurídico e aspecto de ética médica".
Para os profissionais de saúde, a decisão ajuda a esclarecer em que casos eles devem acionar ou não a polícia.
"Às vezes o profissional de saúde acha que, por ser um crime, tem a obrigação de comunicar e não é esse caso... quando é uma vítima de violência doméstica, por exemplo, ou uma criança vítima de violência. Nesses casos, a própria lei já ampara o profissional. O profissional tem a obrigação de notificar aquilo ali. São situações diferentes. Uma mulher que, de fato, a conduta dela era ilegal. Mas ela procurou o sistema de saúde por uma questão de urgência. De risco de vida. Se ela não fosse atendida, ela ia morrer. Se ela ficasse em casa, por exemplo. Então isso inibe, isso viola o direito à vida, inclusive da mulher. Direito à saúde: ela pode ficar inibida de procurar o sistema de saúde porque senão ela pode sair lá com processo criminal. E não é isso. Uma coisa é o sistema de saúde, outra coisa é o sistema jurídico".
De acordo com a Defensoria Pública de Minas, na época da denúncia, a mulher não chegou a ser presa. Ela foi ouvida e liberada. Com a decisão do STJ, a ação de crime de aborto foi extinta.
Pela lei brasileira, o aborto só é permitido nos casos de risco de vida da gestante, gravidez decorrente de estupro e no caso do feto sofrer de anacefalia - uma falha congênita que prejudica o desenvolvimento do cérebro.




